A Transformação da Linguagem e a Inovação Literária no Modernismo
Em Revolução na Poética, publicado em 1974, o poeta, ensaísta e crítico literário Haroldo de Campos oferece uma análise profunda sobre a transformação radical da linguagem e das formas poéticas no contexto do modernismo literário. A obra propõe uma nova abordagem para a criação poética, defendendo uma ruptura com as formas tradicionais da literatura e explorando o conceito de “poesia concreta”, movimento que Haroldo de Campos ajudou a fundar ao lado de outros poetas brasileiros. A proposta central de Revolução na Poética é uma revisão da função da poesia, transformando-a em uma “máquina” produtora de sentido, onde o foco está na materialidade da linguagem e na visualidade do poema.
Haroldo de Campos inicia sua análise com uma crítica à noção de poesia como mera expressão subjetiva ou emocional. Ele argumenta que, na modernidade, a poesia precisa romper com a ideia de que o poema é um simples veículo para a expressão do eu lírico. Ao contrário, o poema deve ser visto como uma construção verbal autônoma, onde a forma e a estrutura são tão importantes quanto o conteúdo. Essa perspectiva está intimamente ligada às teorias de Ezra Pound e James Joyce, dois autores que Haroldo de Campos admirava, e que também enfatizavam a importância da experimentação formal e do uso da linguagem como uma ferramenta para criar novas realidades estéticas.
Uma das principais contribuições de Haroldo de Campos em Revolução na Poética é sua defesa da “poesia concreta”, movimento que se destaca pelo uso radical da forma visual do poema. O poema concreto não se limita às palavras em sua função semântica, mas utiliza o espaço da página como parte essencial de sua construção. As palavras e letras são organizadas de maneira a criar uma experiência visual e sensorial para o leitor, explorando a tensão entre o som, o significado e a forma gráfica. A poesia concreta, nesse sentido, é uma revolução na forma como o leitor interage com o poema, forçando-o a se engajar de maneira mais ativa e a reconsiderar o papel da materialidade da linguagem na criação de significado.
Além disso, Haroldo de Campos aborda a importância da tradução como um ato criativo. Para ele, a tradução de um texto poético não é simplesmente uma reprodução literal do original, mas uma recriação, uma “transcriação”, que envolve recriar o texto de acordo com os novos contextos culturais e linguísticos. Essa abordagem teórica tem ressonâncias com as ideias de Walter Benjamin, que também via a tradução como uma oportunidade de expandir e transformar o texto original. Haroldo de Campos defende que o tradutor deve ser visto como um coautor, capaz de transformar o material original em uma nova obra, preservando sua essência, mas também adaptando sua forma e significado.
Outro conceito importante em Revolução na Poética é o de “poiesis”, que Haroldo de Campos recupera da tradição grega, onde significa “fazer” ou “criar”. Para ele, a poesia moderna deve ser entendida como um processo de construção, onde o poeta atua como um artesão que molda a linguagem. Esse processo criativo é aberto, experimental e muitas vezes fragmentado, refletindo as incertezas e complexidades da modernidade. Haroldo de Campos argumenta que a função do poeta não é apenas a de comunicar emoções ou transmitir significados pré-estabelecidos, mas de criar novas formas de percepção, reorganizando os elementos da linguagem para gerar novas realidades estéticas.
Por fim, Revolução na Poética é uma obra que reflete o compromisso de Haroldo de Campos com a vanguarda literária e com a inovação constante. Ele vê a poesia como um campo em transformação contínua, onde as tradições precisam ser desafiadas e as formas literárias devem ser renovadas para acompanhar as mudanças sociais, tecnológicas e culturais da modernidade. Sua visão é uma celebração da liberdade criativa e da experimentação formal, que ele acreditava serem fundamentais para a evolução da arte poética.
Para quem deseja explorar outras perspectivas sobre a transformação da linguagem poética e o modernismo, seguem cinco obras recomendadas:
- A Arte da Palavra, de Ezra Pound – Uma análise do papel da linguagem na poesia moderna, influente no pensamento de Haroldo de Campos.
- O Ofício de Viver, de James Joyce – Um dos maiores experimentadores da linguagem, cuja obra influenciou a visão de Haroldo de Campos sobre a inovação formal.
- Poesia Concreta: Poesia, de Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos – A obra fundamental do movimento de poesia concreta no Brasil.
- A Poesia e a Crítica, de Octavio Paz – Um estudo sobre as interseções entre crítica literária e prática poética, que dialoga com as ideias de Haroldo de Campos.
- O Anjo Esquerdista, de Benedito Nunes – Uma análise crítica da obra de Haroldo de Campos e do movimento concretista no Brasil.