Friedrich Kittler e a História e Impacto das Tecnologias Ópticas
Optical Media: Berlin Lectures 1999, de Friedrich Kittler, é uma obra que explora a história e o impacto das tecnologias ópticas — como a fotografia, o cinema e a televisão — na cultura e na percepção humanas. Em suas palestras, Kittler examina como essas tecnologias moldaram a forma como os humanos vêem o mundo e como elas influenciaram o desenvolvimento da comunicação, da arte e das estruturas de poder. Kittler, um dos mais importantes teóricos da mídia do século XX, oferece uma análise crítica e histórica das mídias visuais, argumentando que as tecnologias não são neutras, mas atuam ativamente na constituição da realidade e da subjetividade.
A abordagem de Kittler à mídia é técnica, filosófica e histórica. Ele investiga como as tecnologias ópticas revolucionaram a maneira como as pessoas processam e armazenam informações visuais, ao mesmo tempo em que analisa as implicações culturais e políticas dessas transformações. Optical Media faz parte da investigação contínua de Kittler sobre o papel da tecnologia na constituição das culturas e na formação das subjetividades humanas.
1. A Transição da Cultura Oral e Escrita para as Mídias Ópticas
Uma das ideias centrais de Kittler é a transição das sociedades de cultura oral e escrita para as mídias ópticas. Antes da invenção de dispositivos como a câmera fotográfica e o cinematógrafo, a comunicação era dominada pela palavra escrita e falada. A introdução de tecnologias ópticas no final do século XIX e início do século XX transformou radicalmente essa dinâmica, possibilitando que as imagens se tornassem uma nova forma de comunicação de massa.
Kittler argumenta que a invenção da fotografia e do cinema introduziu um novo regime de visibilidade, onde a imagem passou a ser usada não apenas para representar o mundo, mas também para mediá-lo e controlá-lo. As mídias ópticas permitem o registro direto do real, sem a necessidade de tradução pela linguagem escrita ou oral. Isso significa que a imagem ganha uma nova autonomia e passa a moldar a percepção de maneira diferente dos textos e discursos anteriores.
2. Tecnologias Ópticas e o Cinema
No campo do cinema, Kittler discute como essa tecnologia permitiu a captura do movimento e da duração, algo que a pintura e a fotografia não podiam fazer. O cinema, ao criar a ilusão de movimento, ofereceu um novo modo de experiência visual que não estava disponível antes. Kittler vê o cinema como uma tecnologia que reorganiza o tempo e o espaço, não apenas como uma ferramenta para registrar a realidade, mas também como um dispositivo de controle e manipulação da percepção.
Ele também analisa como o cinema e outras mídias ópticas criaram novas formas de narrativa e de propaganda política, particularmente no contexto das guerras e do controle social. Kittler sugere que o cinema não apenas reflete a realidade, mas também produz uma nova forma de realidade ao moldar a percepção coletiva. Isso é especialmente relevante em contextos políticos, onde a manipulação das imagens cinematográficas pode ser usada para controlar as massas e influenciar a opinião pública.
3. Televisão e o Controle da Percepção
Kittler também dedica parte de sua análise às tecnologias de transmissão como a televisão. Ele argumenta que a televisão introduz uma nova forma de temporalidade, onde o tempo real e o tempo gravado se misturam. A televisão, com sua capacidade de transmitir imagens ao vivo, muda a relação entre o espectador e os eventos, criando uma forma de presença mediada pela tecnologia. Kittler vê a televisão como um meio que expande a capacidade dos governos e das corporações de controlar e manipular a percepção pública em tempo real.
Além disso, Kittler investiga o papel da televisão no desenvolvimento de novas formas de subjetividade. A transmissão contínua de imagens e informações cria uma nova forma de passividade no espectador, que é bombardeado por estímulos visuais. Para Kittler, a televisão não apenas influencia a forma como os espectadores vêem o mundo, mas também como eles se percebem. Esse poder da televisão de moldar a subjetividade é um dos aspectos mais críticos de sua análise das mídias ópticas.
4. O Surgimento das Tecnologias Digitais
Embora Optical Media se concentre principalmente nas mídias ópticas clássicas, Kittler também antecipa o impacto das tecnologias digitais e dos computadores na mídia. Ele vê a transição da mídia analógica para a digital como uma continuação da transformação técnica que começou com a invenção das tecnologias ópticas. As mídias digitais, como o vídeo digital e a computação gráfica, oferecem novos modos de manipulação da imagem que ultrapassam as capacidades das tecnologias ópticas anteriores.
Kittler também discute como a digitalização das imagens afeta a materialidade da mídia. Se as mídias ópticas como a fotografia e o cinema ainda mantinham uma relação física com o mundo — através de películas, lentes e luzes —, as mídias digitais rompem com essa materialidade, transformando as imagens em códigos binários que podem ser manipulados infinitamente. Isso, segundo Kittler, abre novas possibilidades para a criação e controle da percepção, uma vez que as imagens digitais não têm uma relação direta com a realidade, mas são construções virtuais.
5. O Poder das Mídias Ópticas e a Política da Visão
Kittler explora a ideia de que as mídias ópticas não são apenas tecnologias culturais, mas também dispositivos de poder. Ele sugere que o controle da imagem — seja no cinema, na televisão ou nas mídias digitais — é uma forma de controle político. As mídias ópticas têm a capacidade de moldar a opinião pública, de reescrever a história e de influenciar a percepção coletiva dos eventos.
Além disso, Kittler enfatiza o papel das mídias ópticas na guerra e na propaganda. Durante o século XX, especialmente durante as duas guerras mundiais e a Guerra Fria, as tecnologias de imagem desempenharam um papel central na mobilização e no controle das populações. O cinema foi usado para promover ideologias e para mobilizar nações inteiras em tempos de guerra, enquanto a televisão e as transmissões ao vivo tornaram-se ferramentas essenciais para o controle político durante a Guerra Fria.
6. A Genealogia das Mídias Ópticas
Kittler desenvolve uma genealogia das tecnologias ópticas, traçando sua evolução desde as primeiras invenções, como a câmera obscura, até as mídias digitais modernas. Ele argumenta que as tecnologias ópticas não apenas substituíram ou complementaram as tecnologias anteriores, mas transformaram fundamentalmente a maneira como os humanos experimentam o mundo.
Ao longo de Optical Media, Kittler sugere que cada nova tecnologia introduz uma nova forma de organizar a percepção e o conhecimento, mudando o que é visível, quem tem acesso a essa visibilidade e como o poder é distribuído. Essa genealogia das mídias ópticas mostra como a visão humana foi tecnicamente mediada e politicamente controlada ao longo do tempo.
Conclusão
Optical Media é uma obra crítica que oferece uma análise profunda das tecnologias ópticas e seu impacto na cultura e na subjetividade humanas. Friedrich Kittler investiga como essas tecnologias não apenas mudaram a maneira como vemos o mundo, mas também como moldam o poder e a política. Ele sugere que as mídias ópticas são mais do que ferramentas culturais; são dispositivos de controle e manipulação que redefinem a subjetividade e a percepção.
A obra de Kittler é um convite para repensar a relação entre tecnologia, mídia e poder, mostrando como as mídias ópticas transformaram a sociedade moderna e anteciparam muitas das questões que enfrentamos hoje com as mídias digitais.
Obras Relacionadas:
- Gramophone, Film, Typewriter, de Friedrich Kittler – Um estudo seminal de Kittler sobre como as tecnologias de gravação e escrita moldam a cultura e a subjetividade.
- A Câmera Clara, de Roland Barthes – Um clássico da teoria fotográfica, que explora a relação entre fotografia, memória e morte.
- Imagem, Visibilidade e Poder, de John Berger – Uma reflexão sobre o papel da imagem na cultura contemporânea e como ela influencia nossa percepção.
- Do Trabalho ao Ócio, de Jonathan Crary – Uma análise sobre a relação entre as tecnologias visuais e o controle do tempo e da atenção no capitalismo contemporâneo.
- The Language of New Media, de Lev Manovich – Um estudo sobre a transição das mídias analógicas para as digitais e como isso afeta a cultura visual.