Discourse Networks, 1800/1900 (1985)

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Friedrich Kittler e a História da Comunicação e da Subjetividade

Discourse Networks, 1800/1900, publicado em 1985 por Friedrich Kittler, é uma obra que investiga como as tecnologias de comunicação moldam a produção de conhecimento, a subjetividade e o poder em dois momentos históricos distintos: 1800 e 1900. Ao examinar as redes discursivas nesses dois períodos, Kittler revela como as formas de comunicação, armazenamento e processamento de informações condicionam não apenas a produção literária e científica, mas também o modo como os seres humanos pensam, se expressam e se relacionam.

O conceito central da obra é o de discourse networks (redes de discurso), que Kittler usa para se referir às estruturas institucionais, técnicas e materiais que permitem a produção, o armazenamento e a transmissão de conhecimento em uma época específica. Ele argumenta que essas redes determinam o que pode ser dito, quem pode dizer, e como o discurso é produzido e compreendido. A obra de Kittler é uma combinação inovadora de história, teoria da mídia e análise cultural, que revela como as mudanças tecnológicas e discursivas afetam diretamente as formas de subjetividade e as estruturas de poder.

1. O Conceito de Redes de Discurso

Kittler usa o termo discourse networks para descrever os sistemas de comunicação e as práticas culturais que moldam a produção e a circulação de saber em períodos específicos. Ele divide a obra em dois momentos históricos: o primeiro, em 1800, é dominado pela cultura da escrita e pelas práticas literárias românticas; o segundo, em 1900, é marcado pelo surgimento de novas tecnologias de mídia, como o fonógrafo, o cinema e a máquina de escrever, que revolucionam a forma como o conhecimento e a comunicação são organizados.

Essas redes de discurso são formadas por uma combinação de tecnologias, instituições (como escolas, universidades e sistemas de censura), e práticas sociais que moldam a produção de conhecimento. Kittler sugere que as redes de discurso de 1800 e 1900 são fundamentalmente diferentes e que essas mudanças refletem transformações mais amplas nas formas de poder e subjetividade.

2. A Rede de Discurso de 1800: Romantismo, Escrita e Subjetividade

Na primeira parte da obra, Kittler analisa o período em torno de 1800, dominado pelo romantismo, onde a escrita desempenha um papel central na formação da subjetividade. Nesse contexto, a literatura, a poesia e a filosofia romântica emergem como os principais veículos para expressar a individualidade e o “eu” interior. A escrita manual é uma tecnologia que permite a introspecção e a criação de uma subjetividade individualizada. A educação e a alfabetização se tornam mecanismos cruciais para moldar as subjetividades, especialmente nas crianças, que são introduzidas no sistema discursivo através de práticas escolares.

A literatura romântica, em particular, é vista por Kittler como uma forma de “tecnologia” que produz subjetividades introspectivas. A ênfase na interioridade e na expressão do eu molda a forma como os indivíduos se percebem e se relacionam com o mundo. Nesse sentido, a rede de discurso de 1800 depende da escrita como uma forma de registrar e armazenar conhecimento, e da literatura como uma prática que organiza a subjetividade.

No entanto, Kittler também sugere que essa rede de discurso está fortemente associada a estruturas de poder, como a família, o sistema educacional e as instituições religiosas, que controlam a produção de subjetividade. O ato de escrever, de ler e de interpretar é mediado por essas instituições, que regulam o que pode ser dito e quem pode falar.

3. A Rede de Discurso de 1900: Novas Mídias e a Fragmentação da Subjetividade

Na segunda parte da obra, Kittler aborda as mudanças dramáticas que ocorrem em torno de 1900, com o surgimento de novas tecnologias de mídia, como o fonógrafo, a fotografia, o cinema e a máquina de escrever. Essas tecnologias marcam o início de uma nova era na qual a escrita manual e a interioridade romântica começam a ser substituídas por novas formas de registro, armazenamento e processamento de informações.

A invenção do fonógrafo, por exemplo, permite o registro direto do som, criando uma nova forma de comunicação que não depende mais da escrita. O cinema e a fotografia introduzem novas maneiras de capturar e representar a realidade, enquanto a máquina de escrever automatiza o processo de escrita, desconectando-o do corpo e da mão do escritor. Kittler sugere que essas tecnologias rompem com o modelo de subjetividade individualizada e introspectiva que era central para a rede de discurso de 1800.

Essas novas mídias fragmentam a subjetividade ao introduzir novas formas de percepção e registro. O fonógrafo captura a voz humana, o que despersonaliza a expressão individual, enquanto a fotografia e o cinema separam o olhar da experiência direta. Kittler argumenta que essas tecnologias reorganizam as práticas de comunicação e, ao fazê-lo, transformam a subjetividade em algo mais mecânico e fragmentado.

4. Tecnologia e Subjetividade

Um dos temas centrais de Discourse Networks é a maneira como as tecnologias moldam diretamente a subjetividade. Em 1800, a escrita manual e a leitura literária estão profundamente ligadas à introspecção e à formação de uma identidade individualizada. No entanto, com o advento das tecnologias mecânicas em 1900, a subjetividade torna-se mais fragmentada e dispersa, refletindo as novas formas de registro e de percepção introduzidas por essas mídias.

Kittler sugere que a subjetividade é sempre mediada por tecnologias de comunicação e que essas tecnologias moldam não apenas o que os indivíduos podem dizer ou pensar, mas também como eles percebem a si mesmos e ao mundo. A transição de 1800 para 1900 marca, portanto, uma mudança fundamental na forma como a subjetividade é produzida.

5. Discurso e Poder

Kittler também explora a relação entre as redes de discurso e o poder. Ele argumenta que as tecnologias de comunicação não são neutras, mas estão sempre inseridas em estruturas de poder que controlam e moldam o que pode ser dito e quem tem o direito de falar. Em 1800, por exemplo, a produção de conhecimento e subjetividade está ligada a instituições como a escola, a família e a igreja, que regulam o acesso à escrita e à leitura.

Em 1900, as novas tecnologias de mídia introduzem novas formas de controle e de regulação da comunicação. O cinema e a fotografia, por exemplo, tornam-se ferramentas poderosas de propaganda e controle social, enquanto a máquina de escrever e o fonógrafo permitem novas formas de vigilância e monitoramento da comunicação.

6. Genealogia das Redes de Discurso

Uma parte importante do projeto de Kittler é traçar uma genealogia das redes de discurso, mostrando como as tecnologias de comunicação mudam ao longo do tempo e como essas mudanças afetam a cultura e a subjetividade. Ele sugere que as redes de discurso são historicamente contingentes e que as transformações nas tecnologias de mídia estão diretamente ligadas a transformações mais amplas nas estruturas sociais, culturais e políticas.

Kittler traça paralelos entre as mudanças nas redes de discurso e o desenvolvimento do capitalismo industrial, a formação do Estado moderno e a ascensão de novas formas de controle social. A história das redes de discurso é, portanto, também uma história do poder e da regulação da subjetividade.

Conclusão

Discourse Networks, 1800/1900 é uma obra inovadora que oferece uma análise profunda de como as tecnologias de comunicação moldam a produção de conhecimento e a subjetividade em diferentes períodos históricos. Friedrich Kittler desenvolve uma abordagem interdisciplinar que combina história, teoria da mídia e análise cultural para mostrar como as redes de discurso organizam a comunicação e o pensamento humano.

A obra sugere que as mudanças nas tecnologias de comunicação — da escrita manual à máquina de escrever, do fonógrafo ao cinema — transformam fundamentalmente a maneira como os indivíduos se percebem e como o poder é exercido. Ao longo do livro, Kittler mostra como as redes de discurso são ferramentas cruciais de controle social, mas também como elas oferecem novas possibilidades de expressão e resistência.

Obras Relacionadas:

  1. Gramophone, Film, Typewriter, de Friedrich Kittler – Um estudo mais detalhado sobre como as mídias de gravação e escrita moldam a cultura e a subjetividade.
  2. A Ordem do Discurso, de Michel Foucault – Uma obra que explora como os discursos são regulados e controlados pelas instituições e pelo poder.
  3. Understanding Media, de Marshall McLuhan – Um estudo clássico sobre o impacto das tecnologias de comunicação na cultura e na percepção humana.
  4. O Nascimento da Clínica, de Michel Foucault – Um estudo sobre como as instituições moldam a percepção do corpo e da subjetividade.
  5. Writing Machines, de N. Katherine Hayles – Um livro que examina as interações entre tecnologia, escrita e subjetividade no mundo contemporâneo.

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