Antonio Gramsci e a Análise das Desigualdades Regionais na Itália
A Questão Meridional, escrita por Antonio Gramsci em 1926, é uma reflexão fundamental sobre as profundas desigualdades econômicas, sociais e culturais entre o norte e o sul da Itália, uma divisão histórica conhecida como a “questão meridional”. Gramsci, um dos maiores pensadores marxistas do século XX, analisa o subdesenvolvimento do sul da Itália e as condições que perpetuavam a marginalização das populações meridionais, particularmente os camponeses, em contraste com a industrialização e o progresso do norte. Seu ensaio oferece uma visão crítica sobre o papel das classes sociais, do Estado e das elites no agravamento dessas desigualdades e propõe uma aliança entre a classe operária do norte e os camponeses do sul como uma solução revolucionária para enfrentar essa divisão.
Gramsci começa discutindo como o sul da Itália, predominantemente rural e agrário, foi historicamente excluído do desenvolvimento industrial que estava em pleno curso no norte. Ele argumenta que essa divisão não era apenas uma questão econômica, mas também uma questão de poder político e controle social. As elites do norte e as classes dominantes do sul — que incluíam grandes latifundiários e a burguesia rural — tinham interesse em manter o sul subdesenvolvido para assegurar a exploração contínua dos camponeses. Esse subdesenvolvimento foi perpetuado pela ausência de políticas que favorecessem o progresso econômico e a modernização do sul, e pelo uso de forças repressivas para conter as revoltas camponesas.
Um dos principais argumentos de Gramsci é que o subdesenvolvimento do sul não pode ser resolvido isoladamente, ou por meio de políticas econômicas que beneficiem apenas as regiões mais ricas. Ele propõe uma aliança estratégica entre os operários do norte, que lideravam o movimento industrial e trabalhista, e os camponeses do sul, que eram as maiores vítimas da exploração agrária. Gramsci acredita que essa aliança de classes, unindo o proletariado industrial e os camponeses explorados, era crucial para qualquer transformação social significativa na Itália. Ele via essa união como uma base sólida para uma revolução socialista que pudesse superar a opressão capitalista e o sistema de dominação que mantinha o sul empobrecido e submisso.
Gramsci também critica as elites intelectuais e políticas italianas que, historicamente, ignoraram ou exploraram a questão meridional para promover seus próprios interesses. Ele argumenta que os intelectuais burgueses viam os camponeses do sul como “atrasados” e “incapazes” de liderar mudanças sociais, o que reforçava a visão de que o sul era inerentemente inferior ao norte. Gramsci rejeita essa visão paternalista e afirma que os camponeses do sul tinham a capacidade de se organizar e lutar por seus direitos, mas que lhes faltava a liderança política e o apoio dos movimentos sociais organizados do norte.
Um dos aspectos mais importantes de A Questão Meridional é a abordagem de Gramsci sobre a hegemonia, um conceito que ele desenvolve mais amplamente em seus escritos posteriores. Ele sugere que, para resolver a questão meridional, não bastava uma simples mudança econômica ou política; era necessário transformar a “hegemonia cultural” que sustentava as divisões entre o norte e o sul. Para Gramsci, a hegemonia refere-se ao controle que as classes dominantes exercem não apenas sobre a economia e a política, mas também sobre a cultura e as ideias. Ele acreditava que a burguesia do norte mantinha sua hegemonia sobre o sul ao impor uma visão de mundo que justificava a exploração e o subdesenvolvimento da região. Superar essa hegemonia cultural era essencial para criar uma nova ordem social.
Gramsci também explora a relação entre o sul e o nacionalismo italiano. Ele critica a forma como o Estado italiano, desde a unificação em 1861, tratou a questão meridional como um problema secundário, muitas vezes reprimindo as tentativas dos camponeses de resistir à exploração. Ele vê o nacionalismo italiano como uma ferramenta das elites para manter o sul sob controle, enquanto os benefícios do progresso e da modernização eram concentrados no norte. Para Gramsci, qualquer tentativa de resolver a questão meridional teria que ir além do nacionalismo burguês e adotar uma abordagem que incluísse uma verdadeira emancipação das classes populares do sul.
A Questão Meridional não é apenas uma análise das desigualdades regionais na Itália, mas também uma reflexão mais ampla sobre as divisões sociais e econômicas que caracterizam muitas sociedades capitalistas. Gramsci oferece uma perspectiva crítica sobre o papel do Estado, das elites e das ideologias dominantes na manutenção dessas desigualdades e propõe uma estratégia revolucionária baseada na solidariedade entre classes oprimidas. Sua obra continua a ser relevante não apenas para a compreensão das questões regionais na Itália, mas também para as lutas contra as desigualdades e a exclusão social em todo o mundo.
Para quem deseja explorar outras perspectivas sobre desigualdade, hegemonia e lutas sociais, seguem cinco obras recomendadas:
- Os Cadernos do Cárcere, de Antonio Gramsci – Uma coletânea de reflexões de Gramsci sobre hegemonia, cultura e poder, escritas durante seu período na prisão.
- O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia, de Vladimir Lenin – Uma análise marxista sobre o desenvolvimento desigual e as contradições regionais dentro de um país capitalista.
- A Luta de Classes na França, de Karl Marx – Um estudo sobre como as divisões de classe moldam a política e a economia em contextos revolucionários.
- Modernidade e Holocausto, de Zygmunt Bauman – Uma reflexão sobre as divisões estruturais e o impacto da modernidade nas sociedades contemporâneas.
- A Formação da Classe Operária Inglesa, de E.P. Thompson – Uma obra seminal sobre a construção da identidade de classe e a resistência popular na Revolução Industrial.