Friedrich Kittler, nascido em 12 de junho de 1943, em Rochlitz, Alemanha, foi um filósofo e historiador da mídia, amplamente reconhecido por seu trabalho inovador no campo dos estudos de mídia, teoria literária e tecnologia. Kittler foi um dos principais teóricos da mídia no final do século XX, conhecido por suas análises que colocam a tecnologia no centro da cultura e da comunicação. Ele argumentou que as tecnologias da informação, como a escrita, a imprensa, o rádio e os computadores, moldam fundamentalmente a maneira como percebemos o mundo e interagimos com ele. Sua abordagem, chamada de materialismo de mídia, explora como as tecnologias determinam não apenas a comunicação, mas também a produção de subjetividades e a organização do poder. Kittler faleceu em 2011, mas sua influência continua a ser sentida nos estudos de mídia, na filosofia e na história cultural.
Friedrich Kittler e o Materialismo de Mídia
Um dos conceitos centrais no pensamento de Kittler é o materialismo de mídia. Ele argumentava que a mídia e as tecnologias de comunicação não são apenas veículos neutros para a transmissão de informações, mas estruturas ativas que moldam e condicionam a forma como os humanos percebem, pensam e interagem com o mundo. Em suas palavras, “os meios de comunicação determinam nossa situação.”
Para Kittler, a história da cultura humana não pode ser separada da história das tecnologias de comunicação. As diferentes fases da civilização — desde a oralidade, passando pela escrita, até a era digital — são moldadas pelas tecnologias que as sustentam. Essas tecnologias definem as formas como o conhecimento é produzido, armazenado e transmitido, e, portanto, desempenham um papel fundamental na constituição da cultura e da subjetividade.
Kittler argumenta que, ao longo da história, cada nova tecnologia de mídia introduz novos modos de pensar e novas formas de controle social. Ele foi especialmente influenciado pelas ideias de Michel Foucault, aplicando o conceito foucaultiano de “regimes de poder e conhecimento” às tecnologias de mídia. Kittler via a mídia como uma forma de controle social, organizando as formas de comunicação e produção de saber que estruturam a vida cotidiana.
A Mídia Determina o Discurso
Kittler afirmava que a mídia determina a forma como pensamos e falamos, desafiando as abordagens mais tradicionais dos estudos culturais que tratavam a mídia como simples reflexos da sociedade. Para ele, a tecnologia precede o discurso, ou seja, as maneiras pelas quais pensamos e nos expressamos estão condicionadas pelas tecnologias que usamos para comunicar e armazenar informação. A escrita, a impressão, o rádio, o cinema e a televisão não são apenas formas de representação, mas agentes que moldam a maneira como o próprio pensamento e a linguagem operam.
Em seu livro mais influente, Gramophone, Film, Typewriter (1986), Kittler explora como as tecnologias do final do século XIX e início do século XX — o gramofone (som), o cinema (imagem) e a máquina de escrever (texto) — alteraram radicalmente a forma como a linguagem, o som e as imagens são armazenados e processados. Ele argumenta que essas tecnologias mudaram a relação entre o ser humano e a comunicação, pois separaram a voz do corpo e a escrita da mão, e transformaram o som, a imagem e o texto em dados independentes, manipuláveis pela tecnologia.
O materialismo de mídia de Kittler rejeita a ideia de que os seres humanos são os sujeitos centrais da comunicação. Em vez disso, ele afirma que a mídia determina a forma como os indivíduos experimentam o mundo, sugerindo que a própria subjetividade humana está condicionada pelas tecnologias de comunicação disponíveis em cada época.
O Dispositivo de Armazenamento e o Poder
Kittler também foi profundamente influenciado pelas ideias de Foucault sobre o poder e o conhecimento. Ele argumentava que, assim como as instituições (como escolas, hospitais e prisões) moldam o comportamento e o pensamento humano, as tecnologias de mídia funcionam como dispositivos de poder que regulam o que pode ser visto, ouvido e dito.
Para Kittler, as tecnologias de comunicação funcionam como dispositivos de armazenamento, capazes de reter e organizar vastas quantidades de dados. A transição da escrita manuscrita para a tipografia e, posteriormente, para as mídias eletrônicas, alterou profundamente a forma como o conhecimento é armazenado, criando novos regimes de poder baseados na capacidade de controlar a informação.
Ele acreditava que, ao longo do tempo, o controle sobre as tecnologias de mídia tornou-se um elemento central do poder. Quem controla os meios de armazenamento e comunicação — seja o estado, a indústria ou as corporações — controla as condições de possibilidade do conhecimento e da percepção.
Friedrich Kittler, A Era Digital e o Cálculo
Nos últimos anos de sua carreira, Kittler voltou sua atenção para a era digital e as consequências das tecnologias computacionais para a cultura. Ele argumentava que o computador, com sua capacidade de processar dados de forma matemática, representa uma nova fase no desenvolvimento das tecnologias de mídia. O computador, segundo Kittler, é uma máquina que subordina todas as formas anteriores de mídia (som, imagem e texto) à lógica do cálculo matemático, transformando a cultura em uma série de números e algoritmos.
Ele via o algoritmo como a base da era digital, afirmando que o poder do cálculo — a capacidade de transformar tudo em dados manipuláveis — marca uma ruptura com as formas anteriores de comunicação e conhecimento. A era digital, para Kittler, não se trata apenas de uma nova forma de mídia, mas de uma reorganização fundamental das estruturas culturais e cognitivas.
Kittler argumentava que a ascensão da cultura digital significa o fim da centralidade do sujeito humano na história da comunicação. Em vez disso, os algoritmos e as máquinas digitais assumem o papel central na organização da vida cotidiana e na forma como a realidade é percebida.
Friedrich Kittler e O Fim do Humanismo
Uma das contribuições mais radicais de Kittler foi sua crítica ao humanismo. Ele acreditava que a história do pensamento ocidental havia sido centrada demais na ideia do ser humano como o agente central do mundo. Em sua obra, ele desafia essa ideia ao colocar a tecnologia — e não os humanos — como a força central que molda a cultura e o pensamento.
Para Kittler, as tecnologias de mídia modernas destituem o sujeito humano de seu papel privilegiado na produção de conhecimento e cultura. A partir da invenção da imprensa e, mais tarde, do surgimento das tecnologias eletrônicas e digitais, os seres humanos foram progressivamente subordinados a sistemas técnicos que determinam o que pode ser conhecido, dito e sentido.
Essa visão pós-humanista de Kittler antecipa muitos dos debates contemporâneos sobre o papel da inteligência artificial, do big data e das tecnologias digitais na reorganização das relações humanas e sociais.
Obras Principais
- Gramophone, Film, Typewriter (1986): Este é o livro mais famoso de Kittler, onde ele explora como as tecnologias de gravação de som, imagem e texto mudaram a forma como a comunicação e a cultura são organizadas. Ele argumenta que essas tecnologias separam a linguagem, a imagem e o som dos corpos humanos, criando novas formas de subjetividade e poder.
- Discourse Networks, 1800/1900 (1985): Uma análise histórica das redes de comunicação e como elas moldaram a literatura, a ciência e a subjetividade ao longo do século XIX, com ênfase na transição da escrita manuscrita para a tipografia e depois para as tecnologias eletrônicas.
- Optical Media (1999): Um estudo sobre a evolução das mídias ópticas, desde a invenção da fotografia até o cinema e as tecnologias digitais, examinando como essas mídias moldam a percepção visual e a organização cultural.
- The Truth of the Technological World (2013): Uma coletânea de ensaios em que Kittler reflete sobre o impacto das tecnologias digitais e as implicações da computação para o pensamento filosófico e cultural.
Autores Similares
- Michel Foucault
- Marshall McLuhan
- Jean Baudrillard
- Jacques Derrida
- Friedrich Nietzsche
- Walter Benjamin
- Gilles Deleuze
- Vilém Flusser
- Donna Haraway
- Paul Virilio