José Ortega y Gasset e a Crítica da Sociedade de Massas
A Rebelião das Massas (La rebelión de las masas), publicada em 1930 por José Ortega y Gasset, é uma das obras mais influentes da filosofia social e política do século XX. Neste livro, Ortega reflete sobre as mudanças profundas que estavam ocorrendo na Europa durante o início do século, marcadas pela ascensão das massas e pela crise das elites tradicionais. A obra oferece uma crítica à massificação da sociedade moderna e explora as consequências culturais, políticas e sociais desse fenômeno. Ortega argumenta que a ascensão das “massas” — um termo que ele usa para descrever o surgimento de um tipo de indivíduo conformista e sem direção própria — ameaça os valores e a cultura que sustentam a civilização ocidental.
Ortega y Gasset desenvolve uma visão pessimista sobre a democratização da cultura e a diminuição da influência das elites intelectuais e sociais, alertando para os perigos que a massificação representa para a liberdade individual, a qualidade da vida cultural e o progresso civilizacional. Sua crítica toca em temas como o declínio da responsabilidade individual, o desprezo pela excelência e o risco de um novo tipo de tirania social emergente com a “rebelião” das massas.
1. O Conceito de Massa e de Homem-Massa
O conceito central em A Rebelião das Massas é o de “massa”, que Ortega define não como um termo demográfico, mas sociológico e psicológico. Para ele, a “massa” não se refere a um grupo numérico específico, mas a uma atitude ou mentalidade que caracteriza grande parte da população moderna. O homem-massa é aquele que não se preocupa com a excelência, com a cultura, ou com a responsabilidade individual. Ele é conformista, vive dentro de uma zona de conforto, e evita qualquer esforço para se superar ou se distinguir.
Ortega descreve o homem-massa como alguém que se conforma com as opiniões e os gostos dominantes, aceitando passivamente as condições de vida que lhe são oferecidas. Ele não busca a cultura elevada ou o desenvolvimento pessoal, e é indiferente ao conhecimento ou à filosofia. Este homem-massa, para Ortega, é o produto da modernidade, que trouxe um aumento no padrão de vida e mais acesso a bens materiais, mas que, ao mesmo tempo, gerou uma sociedade de pessoas que não sentem a necessidade de buscar algo além do que já têm.
Ortega opõe esse homem-massa ao que ele chama de “homem excelente”, um indivíduo que busca a superação constante, que se compromete com altos ideais e que assume a responsabilidade por seu próprio destino e pela sociedade em que vive. Para Ortega, a ascensão das massas marca um declínio da influência do homem excelente e uma vitória da mediocridade.
2. A Rebelião das Massas: Um Sintoma da Modernidade
Ortega y Gasset vê a ascensão das massas como um fenômeno característico da modernidade. Com o desenvolvimento das tecnologias e o aumento do bem-estar econômico no início do século XX, as massas começaram a ter mais acesso à educação, à política e ao consumo. No entanto, para Ortega, esse acesso não resultou em uma verdadeira elevação cultural ou em uma maior responsabilidade cívica, mas sim em uma atitude de complacência e conformismo.
A “rebelião” das massas, segundo Ortega, não é uma revolta violenta, mas uma rejeição silenciosa dos valores tradicionais de excelência, responsabilidade e esforço individual. As massas não estão interessadas em seguir o exemplo das elites intelectuais ou em aprender com a cultura elevada, mas preferem impor sua própria visão do mundo, que é, na maioria das vezes, limitada e superficial. Essa inversão de valores, onde a mediocridade se torna dominante, é o que Ortega considera a “rebelião” das massas.
Ortega também identifica um aspecto perigoso nessa rebelião: o desprezo pelas elites tradicionais e pelos indivíduos excepcionais. A massa, segundo ele, não respeita mais a autoridade moral ou intelectual dos que se destacam. Em vez disso, as massas veem-se como autossuficientes, rejeitando qualquer forma de orientação ou liderança baseada na sabedoria ou no mérito.
3. O Homem-Massa e a Tirania Social
Um dos perigos que Ortega vê na ascensão das massas é a emergência de uma nova forma de tirania — não uma tirania política clássica, mas uma tirania social em que as massas impõem sua vontade sobre a sociedade como um todo. Essa nova tirania não se manifesta através da força bruta, mas através da uniformização cultural e do conformismo, onde todos são pressionados a seguir as normas e os gostos das massas.
Para Ortega, o homem-massa é tirânico porque, ao mesmo tempo em que rejeita a responsabilidade e a excelência, ele busca dominar e impor sua própria mediocridade a todos os aspectos da vida. Isso resulta em uma sociedade onde a busca pela verdade, pela beleza e pelo progresso é suprimida pela pressão para conformar-se às expectativas e aos padrões das massas. O homem-massa não aceita a diversidade de ideias ou de valores, mas busca impor sua visão limitada do mundo como sendo a única válida.
Essa tirania social se reflete, para Ortega, na degradação da política e da cultura. Com as massas dominando a vida pública, a política se torna uma arena de populismo, onde o que importa é agradar às massas e não promover o bem comum ou a justiça. Da mesma forma, a cultura se torna superficial e voltada para o entretenimento fácil, em vez de ser uma ferramenta para o desenvolvimento do espírito humano.
4. A Crítica à Democracia de Massas e ao Populismo
Ortega y Gasset faz uma crítica contundente à democracia de massas, que, em sua visão, leva ao enfraquecimento da vida pública e à vulgarização da política. Ele argumenta que a democracia, em seu sentido original, foi concebida como um sistema que promove a participação cívica e a responsabilidade coletiva, mas que a modernidade a transformou em um sistema onde as massas, sem preparação ou compreensão real dos desafios políticos, têm controle excessivo sobre as decisões públicas.
Para Ortega, a democracia de massas corre o risco de se degenerar em populismo, onde os líderes políticos não buscam promover o bem comum ou resolver problemas complexos, mas sim agradar às massas com promessas fáceis e soluções simplistas. O resultado é um enfraquecimento das instituições políticas e uma tendência para a mediocridade no governo. Ele alerta que, quando as massas tomam o controle da política sem a orientação das elites esclarecidas, há o perigo de que a sociedade perca sua capacidade de lidar com os desafios mais profundos e estruturais.
No entanto, Ortega não é contrário à ideia de democracia em si, mas critica a forma como a democracia estava sendo praticada na sociedade de massas. Ele defende que a verdadeira democracia deve ser baseada na responsabilidade individual e na participação consciente, e que é necessário encontrar um equilíbrio entre a vontade das massas e a liderança das elites intelectuais e morais.
5. A Necessidade de uma Nova Elite
Para enfrentar os desafios impostos pela rebelião das massas, Ortega y Gasset propõe a necessidade de uma nova elite que possa guiar a sociedade e restaurar os valores da excelência, da responsabilidade e da cultura. Esta nova elite não deve ser definida por status econômico ou poder político, mas por seu compromisso com o desenvolvimento intelectual, cultural e moral.
Ortega acredita que as elites têm a responsabilidade de liderar a sociedade, não de maneira autoritária, mas através do exemplo e do serviço ao bem comum. As elites devem ser compostas por aqueles que estão dispostos a se dedicar ao aprimoramento pessoal e à elevação da cultura, e que entendem a importância de manter a sociedade em equilíbrio, respeitando tanto a liberdade individual quanto a necessidade de progresso coletivo.
Ele defende que uma sociedade saudável precisa de uma relação equilibrada entre as elites e as massas. As massas devem ser educadas e incentivadas a participar da vida pública, mas devem ser guiadas por uma elite que tenha uma visão clara e um compromisso com os valores elevados que sustentam a civilização. Sem essa liderança, Ortega teme que a sociedade sucumba à mediocridade e à estagnação.
Conclusão
A Rebelião das Massas é uma obra crítica e provocadora que examina as profundas mudanças sociais e políticas da modernidade. José Ortega y Gasset oferece uma análise perspicaz sobre os perigos da massificação da sociedade e a ascensão do homem-massa, argumentando que a democracia e a cultura correm o risco de degenerar em mediocridade e conformismo. A obra é um apelo para que a sociedade valorize a excelência, a responsabilidade e a liderança das elites intelectuais e morais.
Embora escrita no contexto da Europa do início do século XX, as ideias de Ortega sobre o populismo, a tirania social e o declínio da cultura permanecem relevantes para os debates contemporâneos sobre a política e a sociedade de massas. A Rebelião das Massas continua a ser uma obra fundamental para a compreensão dos desafios da modernidade e da democracia na era da massificação.
Obras Relacionadas:
- O Homem e a Gente, de José Ortega y Gasset – Uma obra complementar que aprofunda a relação entre o indivíduo e a sociedade.
- A Democracia na América, de Alexis de Tocqueville – Um estudo clássico sobre os efeitos da democracia de massas na sociedade.
- A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, de Karl Popper – Uma análise sobre o papel das massas e das elites na democracia, com ênfase na crítica ao totalitarismo.
- Massa e Poder, de Elias Canetti – Uma obra que explora a dinâmica do poder nas sociedades de massas.
- Os Irmãos Karamazov, de Fiódor Dostoiévski – Um romance que, como a obra de Ortega, trata da tensão entre liberdade individual e responsabilidade social.