Walter Benjamin, em A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica, publicado em 1935, oferece uma das análises mais influentes sobre como as novas tecnologias de reprodução — particularmente a fotografia e o cinema — transformaram a maneira como as obras de arte são percebidas, experimentadas e valorizadas. Benjamin argumenta que a capacidade de reproduzir tecnicamente uma obra de arte altera sua natureza fundamental, esvaziando-a de sua singularidade e de sua “aura”. O ensaio é um marco tanto na crítica de arte quanto na teoria da mídia, pois reflete sobre as profundas implicações culturais, políticas e filosóficas desse fenômeno.
O conceito de “aura”, introduzido por Benjamin, refere-se à unicidade e autenticidade da obra de arte que está intrinsecamente ligada ao seu contexto original. Ele descreve a aura como a presença única de uma obra de arte em seu tempo e espaço, sua ligação com a tradição e a ritualística que a envolve. Antes da era da reprodutibilidade técnica, as obras de arte — como pinturas ou esculturas — existiam em um contexto singular, muitas vezes religioso ou histórico, o que lhes conferia uma presença inatingível. No entanto, com a chegada da fotografia e do cinema, essa presença única é fragmentada, pois a obra pode ser reproduzida infinitamente e distribuída globalmente, separando-a de seu contexto original.
Benjamin observa que a reprodução técnica, ao mesmo tempo que democratiza o acesso à arte, diminui a autoridade da obra original. Isso transforma a maneira como a arte é experienciada: enquanto as obras antes eram experimentadas em locais específicos — como museus ou igrejas —, agora elas podem ser vistas em qualquer lugar, retiradas de seu contexto histórico e geográfico. Para Benjamin, essa mudança representa uma perda da “aura”, pois a obra de arte, quando reproduzida, perde sua singularidade, tornando-se uma mera cópia entre muitas outras. Contudo, Benjamin também reconhece que essa transformação abre novas possibilidades artísticas, especialmente com o cinema, que ele via como uma forma de arte emergente com o potencial de envolver o público de maneira inovadora.
Além da questão da aura, Benjamin discute o impacto político dessa mudança na arte. Ele argumenta que a reprodução técnica tem o potencial de subverter as hierarquias tradicionais da arte, uma vez que torna as obras mais acessíveis às massas. Isso, por sua vez, possibilita que a arte assuma um papel mais politizado, influenciando diretamente o espectador e, em muitos casos, incitando-o à ação. Benjamin vê essa democratização como uma oportunidade para a arte participar de forma ativa nas lutas sociais e políticas. No entanto, ele também alerta para os perigos do uso da arte pela propaganda, especialmente em regimes totalitários, como o nazismo, que usavam as novas tecnologias para manipular as massas.
Outro ponto importante abordado por Benjamin é a relação entre a reprodução técnica e a percepção estética. Ele sugere que a fotografia e o cinema introduziram novas formas de ver e interpretar o mundo. A câmera tem a capacidade de capturar detalhes invisíveis a olho nu e de criar novas narrativas através da montagem, da edição e da perspectiva. Essa capacidade de oferecer diferentes ângulos e pontos de vista transforma tanto o ato de criação quanto a recepção da arte. No entanto, essa transformação também exige uma nova alfabetização visual do público, pois as novas formas artísticas, como o cinema, desafiam os modos tradicionais de apreciação estética.
A contribuição de A Obra de Arte na Era de Sua Reprodutibilidade Técnica vai além da crítica de arte, tocando em questões de filosofia, política e sociologia. A obra é uma reflexão crucial sobre a modernidade e o papel da tecnologia na cultura, e continua a ser relevante em debates contemporâneos sobre a digitalização e a circulação de imagens. Ao explorar como a arte se transforma em um mundo de reproduções infinitas, Benjamin nos obriga a repensar o valor, a autenticidade e a experiência estética em uma era cada vez mais dominada pela mídia.
Para quem deseja explorar outras perspectivas sobre os efeitos da tecnologia na arte e na cultura, seguem cinco obras recomendadas:
- Cultura Visual e Política de Nicholas Mirzoeff – Uma análise crítica sobre como a cultura visual molda nossas percepções políticas e sociais.
- A Sociedade do Espetáculo de Guy Debord – Explora como a sociedade moderna é dominada pela imagem e pelo espetáculo.
- O Fotográfico de Rosalind Krauss – Investiga a fotografia como uma forma de arte e seu impacto nas concepções tradicionais de autenticidade e originalidade.
- Arte e Desmaterialização de Lucy Lippard – Estuda o conceito de desmaterialização na arte contemporânea, abordando o papel da tecnologia na produção artística.
- Teoria Estética de Theodor W. Adorno – Discute a arte moderna em um contexto filosófico mais amplo, considerando as implicações da industrialização e da cultura de massa.