Em Os Limites da Interpretação, publicado em 1990, Umberto Eco oferece uma profunda análise sobre o papel da interpretação na compreensão de textos e fenômenos culturais. O autor busca estabelecer fronteiras claras para o processo de interpretação, argumentando que, embora interpretar seja essencial para o entendimento, há um perigo real na superinterpretação — uma leitura que vai além dos limites razoáveis de um texto ou fenômeno, criando significados que não estão realmente presentes. Eco examina a relação entre o texto, o autor e o leitor, e como cada um contribui para a formação do significado, colocando uma ênfase particular nas responsabilidades e nos riscos da leitura exagerada.
Um dos pontos centrais do livro é a distinção que Eco faz entre “interpretação” e “superinterpretação”. Segundo o autor, a interpretação legítima é aquela que, ainda que flexível e aberta a novas perspectivas, permanece atenta ao contexto original do texto e às intenções plausíveis do autor. A superinterpretação, por outro lado, ocorre quando o leitor projeta seus próprios desejos e suposições sobre o texto, ignorando limites lógicos e históricos. Eco alerta que essa prática pode desvirtuar o sentido original e levar à criação de significados que nunca foram pretendidos pelo autor ou que não são sustentados pelo texto.
Ao longo de Os Limites da Interpretação, Eco dialoga com uma série de tradições filosóficas e teóricas, incluindo o estruturalismo, a semiótica e a hermenêutica. Ele explora como essas correntes influenciaram a maneira como compreendemos o ato de interpretação e propõe que, embora o texto permita uma multiplicidade de leituras, há parâmetros dentro dos quais essa multiplicidade deve ser contida. Para Eco, o texto é um “campo de possibilidades”, mas não um campo ilimitado. Existe uma rede de significados possíveis que devem ser respeitados, e qualquer tentativa de ultrapassar esses limites resulta em uma leitura que distorce o sentido original.
Outro aspecto importante da obra de Eco é sua crítica à ideia pós-moderna de que “tudo pode ser interpretado de qualquer forma”. O autor questiona a validade de uma interpretação que ignora as intenções autorais e o contexto cultural em que o texto foi produzido. Ao refutar o relativismo radical, Eco defende que há critérios objetivos — ou pelo menos intersubjetivos — que devem guiar o processo de interpretação. Ele não rejeita a ideia de que os textos podem ter mais de um significado, mas sugere que há uma diferença entre uma interpretação válida e uma superinterpretação arbitrária e infundada.
A contribuição de Os Limites da Interpretação para as ciências humanas é significativa, especialmente nos campos da crítica literária, da semiótica e da teoria da comunicação. A obra oferece uma estrutura para discutir até que ponto o leitor tem liberdade para interpretar e quais são os limites dessa liberdade. Além disso, Eco levanta questões éticas sobre a responsabilidade do intérprete, uma vez que, ao expandir ou distorcer um texto, corre-se o risco de trair seu significado original. A obra é uma reflexão essencial para estudiosos de literatura, filosofia e comunicação que buscam compreender a relação entre significante e significado, entre o autor e o leitor, e entre a obra e suas possíveis leituras.
Para quem deseja explorar outras perspectivas sobre o tema da interpretação e suas limitações, seguem cinco obras recomendadas:
- A Estrutura Ausente, de Umberto Eco – Outro trabalho de Eco que explora a semiótica e as estruturas subjacentes à interpretação dos signos.
- Verdade e Método, de Hans-Georg Gadamer – Uma obra seminal que discute a hermenêutica e o papel do preconceito e da tradição na interpretação.
- A Morte do Autor, de Roland Barthes – Um ensaio que desafia a centralidade do autor no processo de interpretação de textos.
- Sobre a Interpretação, de Aristóteles – Uma obra clássica que estabelece alguns dos primeiros parâmetros sobre a lógica e os significados na interpretação.
- Interpretação e Superinterpretação, de Umberto Eco e Richard Rorty – Um debate entre Eco e Rorty sobre os limites da interpretação, que aprofunda muitos dos temas discutidos em Os Limites da Interpretação.