Silvia Rivera Cusicanqui, nascida em 1949, na Bolívia, é uma socióloga, historiadora e ativista indígena aymara, conhecida por seu trabalho sobre colonialismo, identidade indígena, justiça social e ecologia. Sua obra é marcada pela crítica à colonialidade e à globalização e pela defesa de uma abordagem decolonial que respeite as tradições indígenas e promova a autonomia dos povos originários. Cusicanqui também é uma das principais referências do pensamento decolonial andino e uma crítica à maneira como as teorias ocidentais frequentemente falham em compreender a complexidade das culturas e realidades latino-americanas.
Colonialismo Interno e Colonialidade
Um dos principais conceitos desenvolvidos por Silvia Rivera Cusicanqui é o de colonialismo interno, que descreve a persistência de estruturas coloniais dentro dos países latino-americanos mesmo após a independência formal. Ela argumenta que a independência política não trouxe uma verdadeira emancipação para os povos indígenas e outros grupos marginalizados, pois as elites nacionais mantêm e reproduzem os sistemas de opressão e exploração colonial.
Esse conceito está relacionado ao conceito de colonialidade, que Cusicanqui desenvolve em diálogo com autores como Aníbal Quijano. A colonialidade refere-se à continuação das práticas e mentalidades coloniais, que afetam a organização social, econômica e cultural dos países pós-coloniais. Para Cusicanqui, a colonialidade está profundamente enraizada na estrutura de poder dos países latino-americanos e se manifesta na marginalização e na invisibilização dos povos indígenas e suas culturas.
Em sua obra “Sociologia da Imagem” (2015), Cusicanqui critica o uso de conceitos acadêmicos distantes e desconectados da realidade indígena, defendendo uma forma de conhecimento baseada na prática e na experiência. Ela acredita que a teoria decolonial deve ser construída a partir da realidade vivida pelos povos oprimidos, sem subordinação às epistemologias do Norte Global.
Silvia Rivera Cusicanqui, Epistemologias Indígenas e o Conhecimento Situado
Silvia Rivera Cusicanqui é uma das principais defensoras das epistemologias indígenas e do conhecimento situado, propondo uma abordagem que valorize o saber dos povos originários, suas tradições e práticas locais. Ela argumenta que as epistemologias indígenas oferecem uma visão única e indispensável do mundo, que desafia as premissas da ciência ocidental e da modernidade.
Cusicanqui acredita que o conhecimento indígena é holístico e integrado, conectando a natureza, a espiritualidade e a sociedade em um sistema interdependente. Essa visão se contrapõe ao pensamento cartesiano e à racionalidade ocidental, que fragmentam e instrumentalizam o mundo. Para ela, o conhecimento indígena é uma forma de resistência à colonialidade, pois oferece uma alternativa à visão de mundo capitalista e moderna que desvaloriza as culturas indígenas.
Em sua crítica à academia, Cusicanqui argumenta que o conhecimento verdadeiro deve estar ligado à prática e à experiência cotidiana. Ela propõe uma sociologia da imagem e da oralidade, onde o conhecimento é construído a partir da vida e das histórias das comunidades, e não apenas de teorias abstratas. Essa abordagem valoriza a sabedoria popular e as formas de conhecimento que foram desconsideradas pela ciência ocidental.
Silvia Rivera Cusicanqui, Decolonialidade e Autonomia Indígena
Cusicanqui é uma defensora da decolonialidade como um projeto político e epistemológico que busca desmantelar as estruturas coloniais e as hierarquias impostas pelo colonialismo. Em sua obra, ela critica a maneira como o pensamento decolonial foi institucionalizado e transformado em um conceito acadêmico desvinculado da prática política. Para ela, a decolonialidade deve ser uma luta concreta e prática, enraizada nas comunidades indígenas e no cotidiano das pessoas, e não apenas uma teoria acadêmica.
A decolonialidade proposta por Cusicanqui enfatiza a autonomia dos povos indígenas e a necessidade de lutar pela recuperação das terras, da cultura e das formas de organização tradicional. Ela defende uma resistência anticolonial que preserve a cultura e a espiritualidade indígena, ao mesmo tempo que rejeita as soluções impostas pelo Estado e pelas instituições dominadas pela lógica colonial.
Ela também critica a maneira como alguns setores da esquerda latino-americana reproduzem as dinâmicas coloniais, ignorando ou subestimando as lutas indígenas. Cusicanqui propõe uma solidariedade entre movimentos populares que respeite a autonomia indígena e que reconheça a importância das lutas pela terra e pela preservação das tradições ancestrais.
Ecologia e Cuidado com a Terra
Outro tema importante no pensamento de Cusicanqui é a ecologia e o cuidado com a Pachamama (Mãe Terra). Ela argumenta que o respeito pela natureza é uma parte fundamental da visão de mundo indígena e que a luta pela justiça ambiental deve estar ligada à luta pela autonomia e pela preservação cultural dos povos indígenas. Para Cusicanqui, a crise ambiental é um reflexo da mentalidade colonial e capitalista que explora a natureza como um recurso inesgotável.
Ela defende uma ecologia decolonial, que valorize as práticas e os saberes indígenas em relação ao uso sustentável dos recursos e ao cuidado com a terra. A preservação da natureza, para Cusicanqui, não pode ser separada da preservação das culturas indígenas e das suas formas de vida. Essa visão ecológica está enraizada em uma ética de reciprocidade e respeito mútuo entre seres humanos e natureza, onde a terra é vista como um ser vivo e sagrado, e não como uma mercadoria.
Cusicanqui argumenta que a solução para a crise ecológica global exige um rompimento com o modelo capitalista e colonial de exploração da natureza e uma valorização das práticas indígenas que promovem uma convivência harmoniosa com o ambiente.
Silvia Rivera Cusicanqui, Crítica à Modernidade e ao Progresso
Cusicanqui é uma crítica contundente da modernidade e da ideia de progresso como justificativas para a exploração e destruição das culturas indígenas. Ela questiona a visão linear da história, que coloca o Ocidente como o ápice do desenvolvimento humano, e propõe uma visão plural da história, onde as culturas indígenas e os conhecimentos ancestrais têm valor e legitimidade próprias.
Para ela, a modernidade é uma extensão da lógica colonial, que impõe valores e normas eurocêntricas às culturas indígenas e desvaloriza suas tradições. Cusicanqui propõe uma ruptura com essa visão de progresso, sugerindo que as sociedades indígenas oferecem alternativas ao modelo capitalista e industrial, valorizando a autonomia, a cooperação e o respeito pelo meio ambiente.
Sua crítica à modernidade inclui uma análise das políticas desenvolvimentistas que tentam integrar as populações indígenas ao mercado global e que, muitas vezes, resultam na perda de terras e de direitos. Cusicanqui defende uma autonomia indígena que preserve as tradições e modos de vida ancestrais, resistindo às tentativas de assimilação.
Obras Principais
- “Oppressed but Not Defeated” (1984): Uma análise da resistência indígena nos Andes, onde Cusicanqui explora como as comunidades indígenas bolivianas resistem às imposições coloniais e mantêm suas práticas culturais.
- “Sociologia da Imagem” (2015): Nesta obra, Cusicanqui desenvolve uma crítica ao conhecimento acadêmico e defende uma sociologia baseada na imagem, na oralidade e na experiência prática das comunidades indígenas.
- “A Revolta dos Ayllus” (1987): Um estudo sobre as revoltas indígenas na Bolívia, onde Cusicanqui explora a luta pela terra e pela autonomia indígena, discutindo como essas lutas são uma forma de resistência ao colonialismo.
- “Ch’ixinakax utxiwa: Uma Reflexão sobre Práticas e Discursos Descolonizadores” (2010): Uma obra onde Cusicanqui critica as abordagens decoloniais acadêmicas e propõe uma decolonialidade prática, enraizada nas lutas concretas das comunidades indígenas.
Autores Similares
- Aníbal Quijano
- Walter Mignolo
- Eduardo Galeano
- Arturo Escobar
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- Enrique Dussel
- Boaventura de Sousa Santos
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- Frantz Fanon
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