A Análise de Horkheimer sobre o Declínio da Razão na Modernidade
Em Crítica da Razão Instrumental, publicado em 1940, o filósofo e sociólogo Max Horkheimer oferece uma reflexão crítica sobre como a razão, na modernidade, foi reduzida a um instrumento de controle e dominação, afastando-se de seus ideais emancipatórios originais. A obra faz parte do pensamento da Escola de Frankfurt, que Horkheimer ajudou a fundar, e está intimamente ligada à crítica mais ampla do Iluminismo, abordada posteriormente na obra Dialética do Esclarecimento, que ele escreveu em coautoria com Theodor Adorno. Em Crítica da Razão Instrumental, Horkheimer examina as consequências da racionalidade moderna quando esta é instrumentalizada e subordinada a interesses econômicos, políticos e tecnológicos, resultando em uma sociedade alienada e autoritária.
Horkheimer distingue entre dois tipos de razão: a razão objetiva e a razão instrumental (ou subjetiva). A razão objetiva, que ele associa aos valores éticos e universais do Iluminismo, tem como objetivo a busca pela verdade e pela justiça, servindo como um guia para a ação moral e coletiva. É uma razão que se preocupa com o bem comum, orientada pela emancipação e pela realização de uma sociedade mais justa. Já a razão instrumental é aquela que se preocupa apenas com os meios, e não com os fins. Ela se concentra na eficiência, no controle e na utilidade prática, subordinando-se a interesses imediatos e frequentemente ignorando questões éticas e sociais mais amplas.
Para Horkheimer, a razão instrumental tornou-se dominante na sociedade moderna, especialmente com o advento do capitalismo industrial e do avanço da ciência e da tecnologia. Esse tipo de racionalidade transformou o mundo em um conjunto de objetos a serem controlados e manipulados, seja por meio da ciência, da economia ou da política. A eficiência e a maximização de resultados passaram a ser os valores centrais, enquanto as questões de justiça, liberdade e dignidade humana foram marginalizadas. Esse processo, segundo Horkheimer, não apenas aliena os indivíduos de suas próprias capacidades racionais, mas também contribui para a formação de sociedades autoritárias, nas quais o controle social é reforçado pela racionalidade técnica.
Horkheimer argumenta que, ao se tornar puramente instrumental, a razão perdeu sua capacidade crítica. Em vez de questionar as estruturas sociais e econômicas, a razão instrumental é usada para reforçá-las. Ela se adapta ao status quo, servindo aos interesses das elites e das instituições que dominam a sociedade. Essa racionalidade técnica é evidente no uso da ciência e da tecnologia para fins de dominação, como nas indústrias bélica e militar, onde a razão é empregada para aperfeiçoar os meios de destruição e controle, sem questionar os fins últimos dessas ações. A tecnocracia, segundo Horkheimer, é um exemplo de como a razão instrumental transforma o mundo em um sistema fechado, onde a eficácia e a produtividade substituem os valores humanos e sociais.
Outra crítica central de Horkheimer em Crítica da Razão Instrumental é dirigida à alienação que a racionalidade instrumental impõe aos indivíduos. As pessoas se tornam meros engrenagens no sistema econômico e social, sendo avaliadas e valorizadas apenas por sua utilidade prática. O trabalho, que deveria ser uma forma de realização pessoal e de contribuição para a sociedade, é transformado em uma atividade alienada, onde o indivíduo é despojado de sua criatividade e autonomia. O ser humano é reduzido a uma função dentro do sistema, perdendo sua capacidade de refletir criticamente sobre sua vida e sobre a sociedade em que vive.
Horkheimer também reflete sobre as implicações políticas da razão instrumental. Ele sugere que a ascensão do fascismo na Europa nas décadas de 1920 e 1930 foi, em parte, resultado dessa instrumentalização da razão. O fascismo utilizou a racionalidade técnica para construir regimes de controle e repressão, ao mesmo tempo que mobilizou a razão instrumental para fins de propaganda e manipulação das massas. A ciência e a tecnologia foram empregadas não para promover a liberdade ou o bem-estar, mas para consolidar o poder e destruir a autonomia dos indivíduos. Horkheimer vê nisso um alerta para os perigos da racionalidade que, quando desvinculada de valores éticos e humanistas, pode ser usada para justificar e promover as formas mais extremas de opressão e violência.
Em Crítica da Razão Instrumental, Horkheimer não apenas critica o uso da razão na modernidade, mas também sugere a necessidade de recuperar uma forma de racionalidade crítica, que possa questionar as bases da sociedade e promover uma verdadeira emancipação. Para ele, é essencial restabelecer uma relação entre a razão e os valores éticos, que possam guiar as sociedades em direção à justiça social, à igualdade e à liberdade. Isso requer uma transformação fundamental nas instituições políticas, econômicas e culturais, bem como uma revisão do papel da ciência e da tecnologia no mundo moderno.
Para quem deseja explorar outras perspectivas sobre a crítica à racionalidade instrumental e suas implicações sociais, seguem cinco obras recomendadas:
- Dialética do Esclarecimento, de Theodor W. Adorno e Max Horkheimer – Uma análise crítica sobre como o Iluminismo e a razão instrumental contribuíram para a dominação social.
- A Sociedade do Cansaço, de Byung-Chul Han – Discute as formas contemporâneas de controle e exploração, centradas na racionalidade produtiva e na eficiência.
- O Capital, de Karl Marx – Uma obra fundamental para compreender as dinâmicas da racionalidade econômica e sua relação com a alienação no capitalismo.
- A Condição Pós-Moderna, de Jean-François Lyotard – Uma reflexão sobre a mudança na percepção da razão e da ciência na era pós-moderna.
- Vigiar e Punir, de Michel Foucault – Explora como as instituições modernas utilizam a racionalidade técnica para disciplinar e controlar os corpos e as mentes.